06/06/2012

O consumo e a relação de poder em uma perspectiva psicanalítica


Para Erick Fromm o consumidor é a eterna criança de peito, que está permanentemente chorando pela mamadeira, ficando mais evidente nos casos patológicos, fixação oral, podendo ocasionar como conseqüência a compulsão pela compra de produtos.

O consumo além do necessário para a sobrevivência física e cumprimento das regras socialmente impostas, representa indubitavelmente a busca inconsciente de suprimento de representações narcísicas, julgadas perdidas, juntamente com a infância. Julgado, porque na infância, tal suprimento ocorria de forma natural, sendo a criança o destino do investimento libidinal da mãe, do pai e demais parentes.

As relações afetivas consideradas por muitos pesquisadores contemporâneos como liquidas, cumprem bem os princípios da economia, centrados no consumo. Vez que, no mercado, quanto maior a oferta, menor o preço de determinada mercadoria e, quanto maior a demanda, maior o preço de determinada mercadoria. Assim, quanto mais um indivíduo oferta para satisfazer o outro, baseado apenas em seus desejos interiores, sem atentar para a demanda do outro, mais liquida se torna a relação e, menor valor é atribuído ao que é recebido. O resultado é a fragilização da relação e fragmentação do sujeito ofertador, que pressionado pelo ressentimento, encontrará saída para descarga na depressão e somatização.

A relação focada na oferta sem demanda é sufocante para ambos, pois o ofertador age baseado simplesmente em sua falta, buscando compensar no gozo do outro, pelo consumo daquilo que foi oferecido. E o recebedor, por não reconhecer a demanda daquilo que está sendo ofertado, recebe, porem não atribui o devido valor, percebido pelo ofertador. A oferta é aceita pela força da necessidade de manter a relação no menor nível de conflito, pois rejeitar seria o mesmo que negar a existência da dependência, que para ambos se constitui em modo de vida.

Na idade adulta, apesar de manter latentes os significantes infantis, o suprimento é suspenso ou parcialmente suspenso pela censura imposta pelo próprio indivíduo, em decorrência da lei. Sendo o consumidor a eterna criança, pode-se deduzir que o fornecedor é a eterna mãe, que anseia manter seu bebê alimentado e cuidado.

Assim, o fornecedor no papel de mãe concentra toda sua libido na criação de produtos que proporcione cada vez mais o prazer e o gozo do sugar, próprio das relações comerciais (descontos, prazo de pagamento, entrega urgente), e do melhor mamar, produtos com maior diferencial de qualidade e valor agregado. O consumidor, o filho, terá aquilo que tive, mas perdi e conscientemente não reconheço que tive.

Nesta ordem, evidencia-se a perpetuação do poder na relação de consumo entre fornecedor e consumidor, um sempre na dependência de ser aceito pelo outro. Eu dependo de você e você depende de mim. Faz parte do vocabulário empresarial, na corrida de busca de satisfação dos desejos do consumidor. A expressão: empresa depende do consumidor e não o consumidor depende da empresa, é conteúdo básico nos programas de conscientização de vendedores e demais pessoas envolvidas no atendimento.

Parece que a relação de consumo estabelece um eterno vinculo inconsciente de dependência, com ambos, buscando suprirem-se mutuamente suas carências, essencialmente afetivas, que protegida pelo véu do consumo, o desejo da posse (condição natural do sentimento da criança recém nascida, sobre a mãe), a busca de afeto, desejo primário é deslocada para o objeto, desejo secundário. A caminhada rumo à realização do desejo, através do consumo, mantém o vinculo de dependência, fornecedor (mãe) x consumidor (criança) e vice x versa, uma reedição de situações passadas, própria da relação filho - mãe, que estão produzindo nível de tensão-desprazer e que precisam ser descarregadas.

Erick Fromm afirma: “um expressa-se no outro, e é sua própria materialidade a que serve como expressão daquilo que ele primeiro é; melhor dizendo: para fazer-lhe “dizer” o que tem em comum. As mercadorias não falam, mas se falassem diriam o que o homem que as produz não pode dizer. Se é possível a linguagem de uma mercadoria com outra mercadoria é porque ambas têm semelhanças, ainda que pese as diferenças; aquilo que lhes confere realidade (e valor) é o que tem em comum: o trabalho humano que as produziu, considerado este em seu caráter abstrato e geral. As mercadorias expressam, mudamente, o que nós não sabemos ou calamos: recuperamos, mediante a teoria (análise do valor mercantil) o que não sabemos, essa significação que elas seguem expressando, mas nós, que as produzimos, não. Aqui é a palavra que deve recuperar em nós sua verdadeira voz para dizer a nós mesmos o que as relações de produção e a circulação não dizem. Trata-se, uma vez mais, de uma revalidação do lugar do sujeito como produtor, devolvendo-lhe o poder de sua própria atividade encoberto no próprio processo de sua objetivação. No âmbito das mercadorias – e o que estas expressam – aparecem presentes ainda que congeladas, só alusivas, todas as categorias fundamentais com os quais os homens pensam suas próprias relações com a realidade”.



Partindo da premissa que a relação, fornecedor - consumidor se confunde com a relação mãe - filho. Também pode ser coerente pensar, que as relações sociais, entre sócios de um negócio, têm bases inconscientes da objetivação natural de dar vida ao consumidor. Assim, como marido e esposa, considerando a relação socialmente aceitas. Diz-se socialmente, por que é objeto de imposição de regras para a convergência da relação social. Os sócios de forma assexuada unem-se, em princípio movidos pelas suas atrações neuróticas, com o objetivo de dar vida ao consumidor, o filho.

Parece evidente que a relação societária representa uma reprodução das relações objetais, em alguns casos, edipiana, onde cada membro busca no outro aquilo que julga ter perdido na infância. O poder da mãe ou do pai, agora transferido para outro, o sócio, que vai representá-lo, no nível inconsciente.

A observação atenta das relações interpessoais de sócios, na empresa, evidencia uma busca de prazer antagônico ao objetivo preconizado na criação e finalidade da organização. A relação societária passando a representar em primeira instância, uma fonte de suprimento de prazer e gozo narcísico. Assim, as palavras, gestos e atitudes usadas no processo de comunicação, a manifestação, evitação ou contemplação de afetos, reproduzem o ambiente familiar vivido por cada indivíduo, sobretudo na infância, na relação: mãe, pai e filho.

Nasio diz que: “o homem também se agrupa para instrumentalizar seu domínio e poder sobre seus iguais, mesmo quando este domínio não está vinculado a questões de sobrevivência ou preservação da espécie. E é quando isso ocorre que nos defrontamos com os mecanismos obstrutivos nos sistemas sociais, grupos ou instituições.

Os sistemas sociais, as instituições e os grupos em geral são sempre – a par de seus objetivos específicos – instrumentos de busca e manutenção do PODER (assim mesmo, maiusculado, para enfatizar sua magnitude e inadjetivação para caracterizar sua abrangência). Essa aspiração ou desejo do Poder está ligado às origens da condição humana e é o substrato dinâmico para as vicissitudes dos indivíduos na sua vida de relação”.



Goiânia, junho/2012

Lauro Milhomem Coutinho

Psicanalista e Consultor Empresarial

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