Para Erick Fromm o consumidor é a eterna criança de peito, que está
permanentemente chorando pela mamadeira, ficando mais evidente nos casos
patológicos, fixação oral, podendo ocasionar como conseqüência a compulsão pela
compra de produtos.
O consumo além do necessário para a sobrevivência física e cumprimento
das regras socialmente impostas, representa indubitavelmente a busca
inconsciente de suprimento de representações narcísicas, julgadas perdidas,
juntamente com a infância. Julgado, porque na infância, tal suprimento ocorria
de forma natural, sendo a criança o destino do investimento libidinal da mãe,
do pai e demais parentes.
As relações afetivas consideradas por muitos pesquisadores contemporâneos
como liquidas, cumprem bem os princípios da economia, centrados no consumo. Vez
que, no mercado, quanto maior a oferta, menor o preço de determinada mercadoria
e, quanto maior a demanda, maior o preço de determinada mercadoria. Assim,
quanto mais um indivíduo oferta para satisfazer o outro, baseado apenas em seus
desejos interiores, sem atentar para a demanda do outro, mais liquida se torna
a relação e, menor valor é atribuído ao que é recebido. O resultado é a fragilização
da relação e fragmentação do sujeito ofertador, que pressionado pelo
ressentimento, encontrará saída para descarga na depressão e somatização.
A relação focada na oferta sem demanda é sufocante para ambos, pois o
ofertador age baseado simplesmente em sua falta, buscando compensar no gozo do outro,
pelo consumo daquilo que foi oferecido. E o recebedor, por não reconhecer a
demanda daquilo que está sendo ofertado, recebe, porem não atribui o devido
valor, percebido pelo ofertador. A oferta é aceita pela força da necessidade de
manter a relação no menor nível de conflito, pois rejeitar seria o mesmo que
negar a existência da dependência, que para ambos se constitui em modo de vida.
Na idade adulta, apesar de manter latentes os significantes infantis, o
suprimento é suspenso ou parcialmente suspenso pela censura imposta pelo
próprio indivíduo, em decorrência da lei. Sendo o consumidor a eterna criança,
pode-se deduzir que o fornecedor é a eterna mãe, que anseia manter seu bebê
alimentado e cuidado.
Assim, o fornecedor no papel de mãe concentra toda sua libido na criação
de produtos que proporcione cada vez mais o prazer e o gozo do sugar, próprio
das relações comerciais (descontos, prazo de pagamento, entrega urgente), e do
melhor mamar, produtos com maior diferencial de qualidade e valor agregado. O
consumidor, o filho, terá aquilo que tive, mas perdi e conscientemente não
reconheço que tive.
Nesta ordem, evidencia-se a perpetuação do poder na relação de consumo
entre fornecedor e consumidor, um sempre na dependência de ser aceito pelo
outro. Eu dependo de você e você depende de mim. Faz parte do vocabulário
empresarial, na corrida de busca de satisfação dos desejos do consumidor. A
expressão: empresa depende do consumidor e não o consumidor depende da empresa,
é conteúdo básico nos programas de conscientização de vendedores e demais
pessoas envolvidas no atendimento.
Parece que a relação de consumo estabelece um eterno vinculo inconsciente
de dependência, com ambos, buscando suprirem-se mutuamente suas carências,
essencialmente afetivas, que protegida pelo véu do consumo, o desejo da posse
(condição natural do sentimento da criança recém nascida, sobre a mãe), a busca
de afeto, desejo primário é deslocada para o objeto, desejo secundário. A caminhada
rumo à realização do desejo, através do consumo, mantém o vinculo de
dependência, fornecedor (mãe) x consumidor (criança) e vice x versa, uma reedição
de situações passadas, própria da relação filho - mãe, que estão produzindo
nível de tensão-desprazer e que precisam ser descarregadas.
Erick Fromm
afirma: “um expressa-se no outro, e é sua própria materialidade a que serve
como expressão daquilo que ele primeiro é; melhor dizendo: para fazer-lhe
“dizer” o que tem em comum.
As mercadorias não falam, mas se falassem diriam o que o
homem que as produz não pode dizer. Se é possível a linguagem de uma mercadoria
com outra mercadoria é porque ambas têm semelhanças, ainda que pese as
diferenças; aquilo que lhes confere realidade (e valor) é o que tem em comum: o
trabalho humano que as produziu, considerado este em seu caráter abstrato e
geral. As mercadorias expressam, mudamente, o que nós não sabemos ou calamos:
recuperamos, mediante a teoria (análise do valor mercantil) o que não sabemos,
essa significação que elas seguem expressando, mas nós, que as produzimos, não.
Aqui é a palavra que deve recuperar em nós sua verdadeira voz para dizer a nós
mesmos o que as relações de produção e a circulação não dizem. Trata-se, uma
vez mais, de uma revalidação do lugar do sujeito como produtor, devolvendo-lhe
o poder de sua própria atividade encoberto no próprio processo de sua
objetivação. No âmbito das mercadorias – e o que estas expressam – aparecem
presentes ainda que congeladas, só alusivas, todas as categorias fundamentais
com os quais os homens pensam suas próprias relações com a realidade”.
Partindo da premissa que a relação, fornecedor - consumidor se confunde
com a relação mãe - filho. Também pode ser coerente pensar, que as relações
sociais, entre sócios de um negócio, têm bases inconscientes da objetivação
natural de dar vida ao consumidor. Assim, como marido e esposa, considerando a
relação socialmente aceitas. Diz-se socialmente, por que é objeto de imposição
de regras para a convergência da relação social. Os sócios de forma assexuada
unem-se, em princípio movidos pelas suas atrações neuróticas, com o objetivo de
dar vida ao consumidor, o filho.
Parece evidente que a relação societária representa uma reprodução das
relações objetais, em alguns casos, edipiana, onde cada membro busca no outro
aquilo que julga ter perdido na infância. O poder da mãe ou do pai, agora transferido
para outro, o sócio, que vai representá-lo, no nível inconsciente.
A observação atenta das relações interpessoais de sócios, na empresa,
evidencia uma busca de prazer antagônico ao objetivo preconizado na criação e
finalidade da organização. A relação societária passando a representar em
primeira instância, uma fonte de suprimento de prazer e gozo narcísico. Assim,
as palavras, gestos e atitudes usadas no processo de comunicação, a
manifestação, evitação ou contemplação de afetos, reproduzem o ambiente
familiar vivido por cada indivíduo, sobretudo na infância, na relação: mãe, pai
e filho.
Nasio diz que:
“o homem também se agrupa para instrumentalizar seu domínio e poder sobre seus
iguais, mesmo quando este domínio não está vinculado a questões de
sobrevivência ou preservação da espécie. E é quando isso ocorre que nos
defrontamos com os mecanismos obstrutivos nos sistemas sociais, grupos ou instituições.
Os sistemas sociais, as instituições e
os grupos em geral são sempre – a par de seus objetivos específicos –
instrumentos de busca e manutenção do PODER (assim mesmo, maiusculado, para
enfatizar sua magnitude e inadjetivação para caracterizar sua abrangência).
Essa aspiração ou desejo do Poder está ligado às origens da condição humana e é
o substrato dinâmico para as vicissitudes dos indivíduos na sua vida de relação”.
Goiânia, junho/2012
Lauro Milhomem Coutinho
Psicanalista e Consultor Empresarial
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