A liberdade ansiada pelo ser humano como forma de
realização pessoal e atingimento do gozo pleno, por tempo represado, trata-se
do aspecto subjetivo e não físico do ser. Neste
ponto, a questão passa a ter conotação de sonho estacionado em futuro impreciso
que exige cada vez mais investimento de energia potencializadora do movimento
rumo ao alvo escolhido momentaneamente como provável supridor do vazio criado
pela manifestação do desejo. Tal busca mira um alvo materializado, quando a necessidade
impressa pelo vazio demanda um afeto revertido de benefícios situados na imaterialidade.
A busca do ser humano pela
satisfação plena do desejo é uma ilusão, pois a falta, origem do desejo,
constituída de energia em movimento, apenas se realiza provisoriamente, mesmo
quando o gozo é considerado pleno, voltando a ser faltante em seguida. Assim,
satisfazer um desejo de afeto imaterial, com a utilização de um objeto,
independente de seu valor representativo é simplesmente impraticável.
Seria fugir da realidade objetiva,
supor que a riqueza material não oferece conforto e sensação de segurança e
liberdade, no entanto, o sujeito possuidor da riqueza não está livre da
carência, fruto da realidade subjetiva da afetividade, herdada e construída nas
relações parenterais, baseada na falta inerente da própria condição humana,
defendida por Freud, quando diz que o homem é um ser faltante. Numa leitura
além do sentido linguístico convencionalmente aplicado ao termo possuidor,
subliminarmente, lê-se “possui-dor”, ou seja, a dor de possuir. Tenho, mas
quero é ser.
Ser e possuir denota o caminho
natural do humano, visto na perspectiva do conceito do homem, imagem e semelhança
de Deus, se é que se pode definir o que é Deus, já que ele próprio disse “sou o
que sou”. Mas na prática a inversão é o que predomina na estratégia de
realização de desejos pessoais. A atração do ter converte e perverte o sujeito,
que foca o ter como plataforma de projeção para o ser, pura areia movediça de
ilusão. Porém, o que parece necessário para atingir plenamente o ser é desviar
o olhar do retrovisor do passado, fonte da angústia, daquilo que deveria ter
sido diferente, que permeabiliza a percepção da realidade presente, onde a vida
de fato acontece, convertendo em sentimento de culpa e ressentimento. E, do
futuro, o desconhecido, guardião de promessa de suprimento do desejo reprimido,
como solução aos problemas do passado, o olhar para o futuro é a fonte da
ansiedade.
Osho disse que o tempo só pode ser
encontrado no futuro ou no passado, vez que, no presente estamos livres do
tempo, sendo segundo ele a própria eternidade. Na eternidade livre da pressão
do tempo é que o ser pode ser sentido plenamente. Assim, o caminho para o “ser”
é o autoconhecimento, voltando o olhar para si, mergulhando no desconhecido, no
inconsciente monitorado pela consciência, ciente de que irá deparar-se com a
fonte dos medos, fragmentos de vivências e fantasias de sentimentos sentidos e
não vivenciados conscientemente, que recalcados são reprimidos e oprimidos pela
censura, germinados da violência, praticada na maioria das vezes por aqueles a
quem o desejo era dirigido como fonte supridora.
Para o sujeito fixado, a recusa ou
bloqueio ao suprimento demandado é devolvida carregada de ameaças de castração,
mais sentida do que manifestada, já que se dá no plano da imaginação. Atormentado pela transgressão na busca da satisfação do
desejo, o indivíduo toma para si como castigo, pelo fato de desejar, todas as
ameaças e as ocorrências de fato como punição, podendo ser apenas fantasiada,
não sabendo o sujeito que tudo se dá no plano da subjetividade, tendo o
inconsciente como o reservatório de tudo. O
que era ameaça do outro, converte-se em realidade e fonte para futura
autopunição, que surge sem aviso prévio, pela própria dinâmica da busca de suprimento
da falta. A autopunição é promovida pela energia armazenada no inconsciente,
que buscará de todas as formas um meio de realização da descarga, em última
instância, uma saída para manutenção da sanidade, trilhando o caminho de uma
neurose.
Burlar o ego, porteiro da
consciência, é o objetivo dos conteúdos enclausurados no porão desconhecido,
que precisam ser mantidos longe da realidade, no pensar comum. Voltar-se para
dentro, pressupõe decidir enfrentar a si mesmo, sabendo que poderá encontrar no
esconderijo secreto aquilo que sempre repudia na figura ou no agir do outro, a
repressão que exerce em relação à supressão de fatos imorais externos, pode ser
uma válvula de alívio do desejo impróprio sentido, mas enjaulado e reprimido. Consta
na Bíblia, Lucas 8.17: “Porque não há coisa oculta que não acabe por se
manifestar, nem secreta que não venha a ser descoberta”.
É certo que todo ser humano vive
três fases: dependência, independência e dependência, o mesmo que infância,
adulto e velhice. Certamente muitos indivíduos passam pelas duas últimas,
produzindo menos controvérsias e inimizades, mas a grande maioria não. É
característica imutável do ser humano a total dependência física por ocasião do
nascimento, até aproximadamente os três anos de idade. Ao nascer, a cria humana
é incapaz de buscar os meios de suprir a básica necessidade de alimentação, e
se deixado só, certamente morrerá. Porém, cercado de todo o aparato afetivo e
material é levado à condição de onipotência, transformando-se em um rei, sua
majestade o bebê. Este assume, em plenitude de indefeso, o controle da mãe, que
movida pela emoção de gerar outra vida, convence facilmente todos a sua volta a
prestar reverência a seu filho, o único, até o próximo.
O bebê detentor de todo o poder
afetivo, continua frágil e impotente diante dos fatos e atitudes relacionados a
ele ou pessoas a sua volta. Até os quinze anos de vida o indivíduo será visto
por si mesmo e pelos outros como mero dependente, submisso e exposto a sofrer
todos os tipos de pressão e repressão, podendo representar o meio para descarga
das frustrações do passado mal vivido ou o freio na construção do futuro de
conforto sonhado pelos pais, antes do nascimento do filho.
A independência, na grande maioria,
começa aflorar por volta dos quinze anos, e no fervor da adolescência, a
intensificação da ansiedade dá o tom do risco que os mistérios e desejos da
idade adulta impõe na escolha do sujeito, como se existisse escolha de ir para
a fase adulta ou estacionar na adolescência. Sem aviso prévio a vida continua
fluindo e assombrando, queira ou não, o sujeito que precisa decidir e
encontra-se encurralado pelas próprias incertezas.
A obediência é um ato
consciente de submissão à autoridade; nesse aspecto, é o oposto da independência.
A fixação é um laço emocional que liga afetivamente duas pessoas. A obediência
é habitualmente consciente; é antes um comportamento do que um sentimento, e
pode ocorrer também quando os sentimentos para com a autoridade são hostis, e
quando a pessoa obedece sem concordar com as ordens da autoridade. A fixação,
como tal, é habitualmente inconsciente. O que é consciente é o sentimento de
amor ou medo. A pessoa obediente teme o castigo se desobedecer. A pessoa fixada
teme perder-se ou ser afastada se tentar romper o lanço incestuoso. Historicamente,
a obediência se faz em geral em relação ao pai; a fixação é o laço com a mãe,
em casos extremos o laço “simbiótico” que bloqueia o processo de
individualização. Enquanto nas sociedades patriarcais o medo do pai é mais
evidente, o medo da mãe mais profundo, e sua intensidade depende da intensidade
da fixação nela (FROMM, 1981, 62).
Na encruzilhada da adolescência com
a fase adulta, a profissão surge como porto seguro e cura da ansiedade, pois
abrirá a porta da independência percebida, mas não a independência verdadeiramente
desejada. Engana-se pensando que ao escolher a formação profissional aclamada
pelo mercado e venerada pela família e meio social, obtém o passaporte para a independência
financeira, solução de todos os problemas.
Movido pela pressão de estímulos
externos, o indivíduo é incapaz de refletir conscientemente a cerca daquilo que
sente e que constitui o caminho de sua missão, ignora as orientações originárias
da intuição, não sabe distinguir os verdadeiros anseios na busca da independência.
Na fuga do afeto familiar, quase sufocado pela ansiedade, o indivíduo observa na
convivência de seus colegas com os pais e, identifica na relação deles, uma
forma de afeto inexistente nas suas relações com os pais. Tal atitude é que dá vida
ao eterno conflito adolescente que atualmente ultrapassa a barreira dos trinta
anos e alguns nunca saem dela. “O homem deve cortar não só o laço com o pai e a
mãe, mas também os laços sociais que fazem dele um escravo, dependente de um
senhor” (FROMM, 1981, p. 61).
A predominância na formação de um
indivíduo para “ter”, representada pelo dinheiro, símbolo fálico, associado ao
domínio, poder, pode significar o princípio da deformação do “ser” ou pelo
menos sua fixação. Neste caso o que emerge a consciência é a certeza que o
afeto não abre caminho para a independência. Claro que os conteúdos, base da
formação do pensamento – sentimento – decisão, foram extraídos da convivência
familiar (mãe – filho – pai).
A postura e as atitudes pautadas
em princípios éticos, políticos e religiosos de membros da família constituídos
de autoridade inerentes a organização de poder, sobretudo dos pais, é que dá
origem, vida e norteia as várias formas de linguagens, fonte de pensamentos e
sentimentos. A linguagem, imperativa no processo comunicacional humano, caracteriza
o homem como verdadeiramente humano. Sem a linguagem, o humano é naturalmente
destituído de sua condição de inteligente. No entanto, a mesma linguagem que
caracteriza e dá sentido ao viver, produz angustia e ansiedade, matéria-prima
do autoaniquilamento do adulto, pela culpa, decorrente de investimento
pulsional no campo aberto do imaginário, carregado de desejos não concretizados
na época, agora sob o julgo conceitual da linguagem.
O proceder familiar, sobretudo os
pais, influencia diretamente na condição moral e afetiva dos filhos, aquilo que
o adulto julga bobagem, sem importância, pode constitui-se no fermento da
desfiguração da formação do adulto. O ambiente de pais, que as pequenas
mentiras, transgressões, trapaças, agressões, xingamentos, pequenos subornos,
infrações de trânsito, furar fila, estacionar em fila dupla ou em local proibido,
as difamações familiares, o marido destrata a esposa, que devolve a agressão
verbal, usando adjetivos recheados de negatividade, tidos como sem importância são
conteúdos do processo educacional que não serão removidos pela escola formal.
Agindo assim, os pais não percebem
que as referências simbolizadas aos filhos são de conteúdo oco, e que a percepção
de afeto é permeada pelas particularidades das atitudes e linguagem dirigidas
aos outros e aos próprios filhos. Algo vivenciado ou imaginado, mesmo classificado
pelo adulto como pura bobagem, é capitalizado pelo sujeito destinatário, a
criança, que interioriza como verdade por creditar à fonte originaria. Tal
conteúdo é que constitui a herança recebida e passada inconscientemente de
geração a geração.
Alheio a força da subjetividade na
formação emocional, o sujeito movido pelo imperativo dos costumes e crenças
herdados e praticados sem submeter-los a luz da realidade que está inserido na
atualidade, fomenta a angustia, raiz do sofrimento do não ser, sobreposto pelo ter,
representado pelo dinheiro, tido como o núcleo central dos problemas humanos. A
culpa da ausência de afeto é falsamente aliviada pela adoção de um objeto. O
inconsciente não sabe e não se prende na necessidade de escolher o que é verdade
ou mentira, bom ou ruim, sagrado ou profano, apenas busca uma forma de promover
a descarga da energia represada. A pulsão investida na busca de carícia afetiva
não obterá o gozo esperado, se o destinatário for substituído por um objeto,
independente do status ou valor
material. A frustração não elimina o desejo, que movido pela rejeição poderá
inverter a estratégia na forma de atingir seu objetivo, no papel de rejeitado,
as doenças, crises financeiras e outros meios são caminhos trilhados com a
mesma finalidade.
Conta uma fábula que o discípulo
pergunta ao mestre: “Mestre quando devo começar a educar meus filhos. “Vinte
anos antes de eles nascerem, responde o mestre”. Educar pressupõe inserir o
sujeito na condição humana, dando-lhe capacidade para identificar os limites de
direitos e deveres, base para o convívio social. Tornando-o saudável o
suficiente para ser capaz de reprimir desejos configurados do anseio de
perpetuação do princípio do prazer, típico e natural da primeira infância, mas
que permanece ativo no adulto, pronto para se manifestar tão logo surja uma
oportunidade. Aproveitar as oportunidades da forma como é demandada pelo desejo
é uma demonstração clara da condição emocional infantil vivida pelo adulto. Um
fato comum na atualidade é o sujeito fortemente centrado na condição adulta
demonstrar provas irrefutáveis de equilíbrio e capacidade de traçar e seguir os
caminhos que levam ao sucesso profissional. Mas quando este é fixado na
condição infantil, será emocionalmente incapaz de estabelecer relações afetivas
reais e duradouras.
Na inserção do sujeito na condição
humana, ato caracterizado como educação, o exemplo se constitui na
matéria-prima natural e na mais eficiente estratégia empregada com os filhos.
Henry Ford disse: “Não há modo de mandar ou ensinar mais forte e suave que o
exemplo”. A fé na grandiosidade de Deus, é que transforma aquilo que parece um
castigo, filhos desajustados, doentes e viciados, em uma oportunidade para o
crescimento espiritual.
O indivíduo fragmentado emocionalmente,
mais com uma forte realização profissional, convence-se de ter feito a escolha
certa, agora é novamente o centro e, tem como arma poderosa a capacidade de
realizar os desejos daqueles, normalmente os pais, que ainda,
inconscientemente, guarda profundos sentimentos de raiva e mágoa por sustentar
a tese de rejeição dirigida a ele. Ajudá-los aos olhos sociais é puro ato de
amor, porém os objetos demandados serão entregues permeados de energia
negativa, gerada pelo ressentimento. O problema é que a encomenda é sempre
enviada a um destinatário revestido de restrições emocionais, tornando o viver
social uma equação de difícil solução, se pensada pela lógica, desprezando a
subjetividade.
O humano começa na adolescência a busca
pela independência, e na meia idade adulto consegue atingi-la, e é neste
momento que o sujeito volta o olhar para os filhos na dependência e para os
pais na velhice, ou seja, o sujeito que rompeu a prisão da dependência, mas agora
demonstra ser compreensivo e afetivo, cuidando daqueles que no passado se
livrou. O indivíduo não conta ou prefere rejeitar a ideia de que no futuro, na
velhice, enfrentará a dependência daqueles que estão submissos aos caprichos,
repressões ou excesso de oferta de objetos como substitutos do afeto esperado,
não ofertado, em decorrência da cegueira afetiva promovida pelo gozo objetal,
material, no auge do sentimento de independência. Assim, cada sujeito, na
velhice, dependerá de quem foi seu dependente, enquanto julgava ser
independente
Na verdade, a independência completa é uma das
realizações mais difíceis; mesmo que o homem supere sua fixação ao sangue,
solo, à mãe e ao clã, apega-se ainda a outras forças que lhe proporcionam
segurança e certeza: sua nação, seu grupo social, sua família; ou suas realizações,
seu poder, seu dinheiro. Ou torna-se tão narcisista que não se sente estranho
no mundo, porque ele é o mundo, não há nada além e fora de sua pessoa (FROMM,
1981, p. 65).
No viés da afetividade o
sentimento de dependência – independência – dependência, não está na ordem do
material, ou seja, não é possível preencher um vazio afetivo com os objetos
materializados, independente de seu preço.
Viver na condição humana exige um
constante ressignificar de quem sou, do que sinto, do que fiz e do que faço,
sem se furtar à necessidade vital de ter e ver o outro como referencial, já que
cada indivíduo se constitui e se faz humano pelo ato da linguagem, cada um é
fortemente configurado pelo olhar e manifestação simbólica de seus pares. O viver
social não deve suprimir a singularidade.
O autoconhecimento é o caminho
natural para o efetivo e harmônico convívio social, já que o vislumbre do outro
é uma projeção daquilo que cada um tem em si, ligados pelas vibrações de
energias compatíveis. Isto não significa a isenção de conflitos, mas sim, à
necessidade de lapidação mútua promovida pela solução dos próprios conflitos,
fator potencializador do desenvolvimento emocional e espiritual, base das ações
e atitudes humanas saudáveis, tidas como normais.
Não se trata de um ser em
extinção, vivendo em um local distante, é na verdade, a grande maioria dos
sujeitos e sujeitas rotulados pela sociedade como modelo de sucesso na visão
materialista objetiva.
Amar é o ato de viver e conviver
naturalmente, respeitando a subjetividade na intra e inter-relação humana e com
o meio, sem desejar aniquilar ou ser aniquilado, independente dos conflitos.
Referências
Bibliográficas:
FROMM, Erich. O
Espírito de Liberdade. 4ª Ed. Zahar Editores: São Paulo, 1981.
Goiânia-GO. julho/2011
Lauro Milhomem Coutinho
Psicanalista e
Professor Universitário
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