01/06/2012

Liberdade: um sonho im-possível

                      O dilema da relação: Dependência – Independência - Dependência

         A liberdade ansiada pelo ser humano como forma de realização pessoal e atingimento do gozo pleno, por tempo represado, trata-se do aspecto subjetivo e não físico do ser. Neste ponto, a questão passa a ter conotação de sonho estacionado em futuro impreciso que exige cada vez mais investimento de energia potencializadora do movimento rumo ao alvo escolhido momentaneamente como provável supridor do vazio criado pela manifestação do desejo. Tal busca mira um alvo materializado, quando a necessidade impressa pelo vazio demanda um afeto revertido de benefícios situados na imaterialidade.

A busca do ser humano pela satisfação plena do desejo é uma ilusão, pois a falta, origem do desejo, constituída de energia em movimento, apenas se realiza provisoriamente, mesmo quando o gozo é considerado pleno, voltando a ser faltante em seguida. Assim, satisfazer um desejo de afeto imaterial, com a utilização de um objeto, independente de seu valor representativo é simplesmente impraticável.

Seria fugir da realidade objetiva, supor que a riqueza material não oferece conforto e sensação de segurança e liberdade, no entanto, o sujeito possuidor da riqueza não está livre da carência, fruto da realidade subjetiva da afetividade, herdada e construída nas relações parenterais, baseada na falta inerente da própria condição humana, defendida por Freud, quando diz que o homem é um ser faltante. Numa leitura além do sentido linguístico convencionalmente aplicado ao termo possuidor, subliminarmente, lê-se “possui-dor”, ou seja, a dor de possuir. Tenho, mas quero é ser.

Ser e possuir denota o caminho natural do humano, visto na perspectiva do conceito do homem, imagem e semelhança de Deus, se é que se pode definir o que é Deus, já que ele próprio disse “sou o que sou”. Mas na prática a inversão é o que predomina na estratégia de realização de desejos pessoais. A atração do ter converte e perverte o sujeito, que foca o ter como plataforma de projeção para o ser, pura areia movediça de ilusão. Porém, o que parece necessário para atingir plenamente o ser é desviar o olhar do retrovisor do passado, fonte da angústia, daquilo que deveria ter sido diferente, que permeabiliza a percepção da realidade presente, onde a vida de fato acontece, convertendo em sentimento de culpa e ressentimento. E, do futuro, o desconhecido, guardião de promessa de suprimento do desejo reprimido, como solução aos problemas do passado, o olhar para o futuro é a fonte da ansiedade.

Osho disse que o tempo só pode ser encontrado no futuro ou no passado, vez que, no presente estamos livres do tempo, sendo segundo ele a própria eternidade. Na eternidade livre da pressão do tempo é que o ser pode ser sentido plenamente. Assim, o caminho para o “ser” é o autoconhecimento, voltando o olhar para si, mergulhando no desconhecido, no inconsciente monitorado pela consciência, ciente de que irá deparar-se com a fonte dos medos, fragmentos de vivências e fantasias de sentimentos sentidos e não vivenciados conscientemente, que recalcados são reprimidos e oprimidos pela censura, germinados da violência, praticada na maioria das vezes por aqueles a quem o desejo era dirigido como fonte supridora.

Para o sujeito fixado, a recusa ou bloqueio ao suprimento demandado é devolvida carregada de ameaças de castração, mais sentida do que manifestada, já que se dá no plano da imaginação. Atormentado pela transgressão na busca da satisfação do desejo, o indivíduo toma para si como castigo, pelo fato de desejar, todas as ameaças e as ocorrências de fato como punição, podendo ser apenas fantasiada, não sabendo o sujeito que tudo se dá no plano da subjetividade, tendo o inconsciente como o reservatório de tudo. O que era ameaça do outro, converte-se em realidade e fonte para futura autopunição, que surge sem aviso prévio, pela própria dinâmica da busca de suprimento da falta. A autopunição é promovida pela energia armazenada no inconsciente, que buscará de todas as formas um meio de realização da descarga, em última instância, uma saída para manutenção da sanidade, trilhando o caminho de uma neurose.

Burlar o ego, porteiro da consciência, é o objetivo dos conteúdos enclausurados no porão desconhecido, que precisam ser mantidos longe da realidade, no pensar comum. Voltar-se para dentro, pressupõe decidir enfrentar a si mesmo, sabendo que poderá encontrar no esconderijo secreto aquilo que sempre repudia na figura ou no agir do outro, a repressão que exerce em relação à supressão de fatos imorais externos, pode ser uma válvula de alívio do desejo impróprio sentido, mas enjaulado e reprimido. Consta na Bíblia, Lucas 8.17: “Porque não há coisa oculta que não acabe por se manifestar, nem secreta que não venha a ser descoberta”.

É certo que todo ser humano vive três fases: dependência, independência e dependência, o mesmo que infância, adulto e velhice. Certamente muitos indivíduos passam pelas duas últimas, produzindo menos controvérsias e inimizades, mas a grande maioria não. É característica imutável do ser humano a total dependência física por ocasião do nascimento, até aproximadamente os três anos de idade. Ao nascer, a cria humana é incapaz de buscar os meios de suprir a básica necessidade de alimentação, e se deixado só, certamente morrerá. Porém, cercado de todo o aparato afetivo e material é levado à condição de onipotência, transformando-se em um rei, sua majestade o bebê. Este assume, em plenitude de indefeso, o controle da mãe, que movida pela emoção de gerar outra vida, convence facilmente todos a sua volta a prestar reverência a seu filho, o único, até o próximo.

O bebê detentor de todo o poder afetivo, continua frágil e impotente diante dos fatos e atitudes relacionados a ele ou pessoas a sua volta. Até os quinze anos de vida o indivíduo será visto por si mesmo e pelos outros como mero dependente, submisso e exposto a sofrer todos os tipos de pressão e repressão, podendo representar o meio para descarga das frustrações do passado mal vivido ou o freio na construção do futuro de conforto sonhado pelos pais, antes do nascimento do filho.

A independência, na grande maioria, começa aflorar por volta dos quinze anos, e no fervor da adolescência, a intensificação da ansiedade dá o tom do risco que os mistérios e desejos da idade adulta impõe na escolha do sujeito, como se existisse escolha de ir para a fase adulta ou estacionar na adolescência. Sem aviso prévio a vida continua fluindo e assombrando, queira ou não, o sujeito que precisa decidir e encontra-se encurralado pelas próprias incertezas.

A obediência é um ato consciente de submissão à autoridade; nesse aspecto, é o oposto da independência. A fixação é um laço emocional que liga afetivamente duas pessoas. A obediência é habitualmente consciente; é antes um comportamento do que um sentimento, e pode ocorrer também quando os sentimentos para com a autoridade são hostis, e quando a pessoa obedece sem concordar com as ordens da autoridade. A fixação, como tal, é habitualmente inconsciente. O que é consciente é o sentimento de amor ou medo. A pessoa obediente teme o castigo se desobedecer. A pessoa fixada teme perder-se ou ser afastada se tentar romper o lanço incestuoso. Historicamente, a obediência se faz em geral em relação ao pai; a fixação é o laço com a mãe, em casos extremos o laço “simbiótico” que bloqueia o processo de individualização. Enquanto nas sociedades patriarcais o medo do pai é mais evidente, o medo da mãe mais profundo, e sua intensidade depende da intensidade da fixação nela (FROMM, 1981, 62).

Na encruzilhada da adolescência com a fase adulta, a profissão surge como porto seguro e cura da ansiedade, pois abrirá a porta da independência percebida, mas não a independência verdadeiramente desejada. Engana-se pensando que ao escolher a formação profissional aclamada pelo mercado e venerada pela família e meio social, obtém o passaporte para a independência financeira, solução de todos os problemas.

Movido pela pressão de estímulos externos, o indivíduo é incapaz de refletir conscientemente a cerca daquilo que sente e que constitui o caminho de sua missão, ignora as orientações originárias da intuição, não sabe distinguir os verdadeiros anseios na busca da independência. Na fuga do afeto familiar, quase sufocado pela ansiedade, o indivíduo observa na convivência de seus colegas com os pais e, identifica na relação deles, uma forma de afeto inexistente nas suas relações com os pais. Tal atitude é que dá vida ao eterno conflito adolescente que atualmente ultrapassa a barreira dos trinta anos e alguns nunca saem dela. “O homem deve cortar não só o laço com o pai e a mãe, mas também os laços sociais que fazem dele um escravo, dependente de um senhor” (FROMM, 1981, p. 61).

A predominância na formação de um indivíduo para “ter”, representada pelo dinheiro, símbolo fálico, associado ao domínio, poder, pode significar o princípio da deformação do “ser” ou pelo menos sua fixação. Neste caso o que emerge a consciência é a certeza que o afeto não abre caminho para a independência. Claro que os conteúdos, base da formação do pensamento – sentimento – decisão, foram extraídos da convivência familiar (mãe – filho – pai).

A postura e as atitudes pautadas em princípios éticos, políticos e religiosos de membros da família constituídos de autoridade inerentes a organização de poder, sobretudo dos pais, é que dá origem, vida e norteia as várias formas de linguagens, fonte de pensamentos e sentimentos. A linguagem, imperativa no processo comunicacional humano, caracteriza o homem como verdadeiramente humano. Sem a linguagem, o humano é naturalmente destituído de sua condição de inteligente. No entanto, a mesma linguagem que caracteriza e dá sentido ao viver, produz angustia e ansiedade, matéria-prima do autoaniquilamento do adulto, pela culpa, decorrente de investimento pulsional no campo aberto do imaginário, carregado de desejos não concretizados na época, agora sob o julgo conceitual da linguagem.

O proceder familiar, sobretudo os pais, influencia diretamente na condição moral e afetiva dos filhos, aquilo que o adulto julga bobagem, sem importância, pode constitui-se no fermento da desfiguração da formação do adulto. O ambiente de pais, que as pequenas mentiras, transgressões, trapaças, agressões, xingamentos, pequenos subornos, infrações de trânsito, furar fila, estacionar em fila dupla ou em local proibido, as difamações familiares, o marido destrata a esposa, que devolve a agressão verbal, usando adjetivos recheados de negatividade, tidos como sem importância são conteúdos do processo educacional que não serão removidos pela escola formal.

Agindo assim, os pais não percebem que as referências simbolizadas aos filhos são de conteúdo oco, e que a percepção de afeto é permeada pelas particularidades das atitudes e linguagem dirigidas aos outros e aos próprios filhos. Algo vivenciado ou imaginado, mesmo classificado pelo adulto como pura bobagem, é capitalizado pelo sujeito destinatário, a criança, que interioriza como verdade por creditar à fonte originaria. Tal conteúdo é que constitui a herança recebida e passada inconscientemente de geração a geração.

Alheio a força da subjetividade na formação emocional, o sujeito movido pelo imperativo dos costumes e crenças herdados e praticados sem submeter-los a luz da realidade que está inserido na atualidade, fomenta a angustia, raiz do sofrimento do não ser, sobreposto pelo ter, representado pelo dinheiro, tido como o núcleo central dos problemas humanos. A culpa da ausência de afeto é falsamente aliviada pela adoção de um objeto. O inconsciente não sabe e não se prende na necessidade de escolher o que é verdade ou mentira, bom ou ruim, sagrado ou profano, apenas busca uma forma de promover a descarga da energia represada. A pulsão investida na busca de carícia afetiva não obterá o gozo esperado, se o destinatário for substituído por um objeto, independente do status ou valor material. A frustração não elimina o desejo, que movido pela rejeição poderá inverter a estratégia na forma de atingir seu objetivo, no papel de rejeitado, as doenças, crises financeiras e outros meios são caminhos trilhados com a mesma finalidade.

Conta uma fábula que o discípulo pergunta ao mestre: “Mestre quando devo começar a educar meus filhos. “Vinte anos antes de eles nascerem, responde o mestre”. Educar pressupõe inserir o sujeito na condição humana, dando-lhe capacidade para identificar os limites de direitos e deveres, base para o convívio social. Tornando-o saudável o suficiente para ser capaz de reprimir desejos configurados do anseio de perpetuação do princípio do prazer, típico e natural da primeira infância, mas que permanece ativo no adulto, pronto para se manifestar tão logo surja uma oportunidade. Aproveitar as oportunidades da forma como é demandada pelo desejo é uma demonstração clara da condição emocional infantil vivida pelo adulto. Um fato comum na atualidade é o sujeito fortemente centrado na condição adulta demonstrar provas irrefutáveis de equilíbrio e capacidade de traçar e seguir os caminhos que levam ao sucesso profissional. Mas quando este é fixado na condição infantil, será emocionalmente incapaz de estabelecer relações afetivas reais e duradouras.

Na inserção do sujeito na condição humana, ato caracterizado como educação, o exemplo se constitui na matéria-prima natural e na mais eficiente estratégia empregada com os filhos. Henry Ford disse: “Não há modo de mandar ou ensinar mais forte e suave que o exemplo”. A fé na grandiosidade de Deus, é que transforma aquilo que parece um castigo, filhos desajustados, doentes e viciados, em uma oportunidade para o crescimento espiritual.

O indivíduo fragmentado emocionalmente, mais com uma forte realização profissional, convence-se de ter feito a escolha certa, agora é novamente o centro e, tem como arma poderosa a capacidade de realizar os desejos daqueles, normalmente os pais, que ainda, inconscientemente, guarda profundos sentimentos de raiva e mágoa por sustentar a tese de rejeição dirigida a ele. Ajudá-los aos olhos sociais é puro ato de amor, porém os objetos demandados serão entregues permeados de energia negativa, gerada pelo ressentimento. O problema é que a encomenda é sempre enviada a um destinatário revestido de restrições emocionais, tornando o viver social uma equação de difícil solução, se pensada pela lógica, desprezando a subjetividade.  

O humano começa na adolescência a busca pela independência, e na meia idade adulto consegue atingi-la, e é neste momento que o sujeito volta o olhar para os filhos na dependência e para os pais na velhice, ou seja, o sujeito que rompeu a prisão da dependência, mas agora demonstra ser compreensivo e afetivo, cuidando daqueles que no passado se livrou. O indivíduo não conta ou prefere rejeitar a ideia de que no futuro, na velhice, enfrentará a dependência daqueles que estão submissos aos caprichos, repressões ou excesso de oferta de objetos como substitutos do afeto esperado, não ofertado, em decorrência da cegueira afetiva promovida pelo gozo objetal, material, no auge do sentimento de independência. Assim, cada sujeito, na velhice, dependerá de quem foi seu dependente, enquanto julgava ser independente

Na verdade, a independência completa é uma das realizações mais difíceis; mesmo que o homem supere sua fixação ao sangue, solo, à mãe e ao clã, apega-se ainda a outras forças que lhe proporcionam segurança e certeza: sua nação, seu grupo social, sua família; ou suas realizações, seu poder, seu dinheiro. Ou torna-se tão narcisista que não se sente estranho no mundo, porque ele é o mundo, não há nada além e fora de sua pessoa (FROMM, 1981, p. 65).

No viés da afetividade o sentimento de dependência – independência – dependência, não está na ordem do material, ou seja, não é possível preencher um vazio afetivo com os objetos materializados, independente de seu preço.

Viver na condição humana exige um constante ressignificar de quem sou, do que sinto, do que fiz e do que faço, sem se furtar à necessidade vital de ter e ver o outro como referencial, já que cada indivíduo se constitui e se faz humano pelo ato da linguagem, cada um é fortemente configurado pelo olhar e manifestação simbólica de seus pares. O viver social não deve suprimir a singularidade.

O autoconhecimento é o caminho natural para o efetivo e harmônico convívio social, já que o vislumbre do outro é uma projeção daquilo que cada um tem em si, ligados pelas vibrações de energias compatíveis. Isto não significa a isenção de conflitos, mas sim, à necessidade de lapidação mútua promovida pela solução dos próprios conflitos, fator potencializador do desenvolvimento emocional e espiritual, base das ações e atitudes humanas saudáveis, tidas como normais.

 Em tese, a independência que todos desejam é puramente afetiva, propulsora da financeira, mas por ser subjetiva, no mundo da dualidade objetiva é jogada debaixo do tapete das relações emocionais, como fragmento de lixo. Lixo com valor de diamante, capaz de preencher o vazio, que permanecendo vazio de afeto, dá origem as doenças do corpo e da alma, gritos surdos pelo socorro afetivo, repelidos por ouvidos com furos tampados, fixados em corpos blindados contra os efeitos benéficos do carinho e do afeto. Afeto um dia desviado e agora desejado, mas rejeitado pela brutalidade que um gesto natural de ternura acompanhado de afago cutâneo pode representar a um ser enrustido e revestido de “couragem emocional”, usada como proteção, ao risco de aniquilamento pelo gozo de simplesmente ser e amar.

Não se trata de um ser em extinção, vivendo em um local distante, é na verdade, a grande maioria dos sujeitos e sujeitas rotulados pela sociedade como modelo de sucesso na visão materialista objetiva.

Amar é o ato de viver e conviver naturalmente, respeitando a subjetividade na intra e inter-relação humana e com o meio, sem desejar aniquilar ou ser aniquilado, independente dos conflitos.


Referências Bibliográficas:

FROMM, Erich. O Espírito de Liberdade. 4ª Ed. Zahar Editores: São Paulo, 1981.



Goiânia-GO. julho/2011

Lauro Milhomem Coutinho

Psicanalista e Professor Universitário


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